Seu Plano de Saúde Pode Estar Cobrando Mais do Que Deveria: Descubra Como Se Proteger dos Reajustes Abusivos

1. Introdução

Os planos de saúde desempenham um papel fundamental na vida de milhões de brasileiros, oferecendo acesso a serviços médicos e hospitalares. No entanto, um tema recorrente e que gera grande preocupação entre os beneficiários é o dos reajustes nas mensalidades. Muitas vezes, esses aumentos são percebidos como excessivos ou injustificados, levantando questões sobre sua legalidade e equidade.

Este artigo se propõe a fazer uma análise aprofundada dos reajustes em planos de saúde, abordando os diferentes tipos de contratos, as hipóteses legais de reajustes, como identificar possíveis abusividades, e as proteções legais e jurisprudenciais disponíveis aos consumidores.

2. Tipos de Contratos de Planos de Saúde

Para compreender adequadamente a questão dos reajustes, é crucial primeiro entender os diferentes tipos de contratos de planos de saúde existentes no Brasil. Cada modalidade possui características próprias que influenciam diretamente nas regras de reajuste aplicáveis.

2.1 Planos Individuais ou Familiares

São aqueles contratados diretamente por uma pessoa física para si ou para sua família. Estes planos são regulados de forma mais rigorosa pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), oferecendo maior proteção ao consumidor em termos de reajustes.

2.2 Planos Coletivos Empresariais

Contratados por empresas para seus funcionários e dependentes. O número de beneficiários pode influenciar significativamente nas regras de reajuste aplicáveis.

2.3 Planos Coletivos por Adesão

Oferecidos por entidades de classe, sindicatos ou associações para seus membros. Geralmente seguem regras similares aos planos coletivos empresariais em termos de reajustes.

É fundamental que o beneficiário identifique corretamente o tipo de seu plano, pois isso determinará quais regras de reajuste se aplicam ao seu caso. Esta informação pode ser encontrada no contrato ou na carteirinha do plano de saúde.

3. Hipóteses Legais de Reajustes e Seus Limites

Os reajustes em planos de saúde são permitidos por lei, mas devem seguir regras específicas para cada tipo de contrato. Compreender essas regras é essencial para identificar possíveis abusos.

3.1 Reajustes em Planos Individuais ou Familiares

a) Reajuste Anual

Para planos individuais ou familiares, o reajuste anual é limitado ao percentual definido pela ANS. Este índice é calculado com base na variação das despesas assistenciais dos planos de saúde e na inflação geral da economia. Por exemplo, em 2023, o teto estabelecido pela ANS foi de 9,63%.

b) Reajuste por Faixa Etária

Permitido em até 10 faixas etárias, conforme estabelecido pela Resolução Normativa nº 63/2003 da ANS. As faixas são:

  1. 0 a 18 anos
  2. 19 a 23 anos
  3. 24 a 28 anos
  4. 29 a 33 anos
  5. 34 a 38 anos
  6. 39 a 43 anos
  7. 44 a 48 anos
  8. 49 a 53 anos
  9. 54 a 58 anos
  10. 59 anos ou mais

A RN 63/2003 estabelece ainda que:

  • O valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18 anos).
  • A variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.

3.2 Reajustes em Planos Coletivos Empresariais

a) Empresas com até 29 vidas

Seguem o chamado “pool de risco”, onde a operadora agrupa todos os contratos com menos de 30 vidas e aplica um reajuste único para todas as empresas deste porte. Este mecanismo visa diluir o risco entre um número maior de beneficiários, evitando que pequenas empresas sofram com reajustes excessivos devido a eventos isolados de alto custo.

b) Empresas com 30 ou mais vidas

Nestes casos, o reajuste é negociado diretamente entre a empresa contratante e a operadora do plano de saúde. A ANS não define um teto para estes reajustes, mas exige que sejam baseados em cálculos atuariais e que respeitem as cláusulas contratuais.

3.3 Reajustes em Planos Coletivos por Adesão

Seguem regras similares aos planos coletivos empresariais com 30 ou mais vidas, ou seja, o reajuste é negociado entre a entidade contratante (associação, sindicato, etc.) e a operadora.

É importante ressaltar que, conforme o artigo 15, §3º, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Isso significa que, após os 60 anos, não podem ser aplicados novos reajustes por mudança de faixa etária.

4. Identificando Abusividades nos Reajustes

Mesmo dentro das hipóteses legais, os reajustes podem ser considerados abusivos. Identificar essas situações é crucial para que o beneficiário possa defender seus direitos. Aqui estão algumas situações que podem indicar abusividade:

4.1 Ausência de Justificativa Técnica

Os reajustes devem ser baseados em cálculos atuariais que levem em consideração o aumento dos custos médico-hospitalares, a sinistralidade do contrato (no caso de planos coletivos), entre outros fatores. A falta de transparência ou justificativa técnica para o reajuste aplicado pode indicar abusividade.

4.2 Percentuais Muito Acima da Média de Mercado

Reajustes significativamente superiores aos praticados no mercado ou ao índice da ANS para planos individuais podem ser questionados. Por exemplo, se o índice da ANS para planos individuais foi de 9,63% em 2023, um reajuste de 25% em um plano coletivo, sem justificativa plausível, poderia ser considerado abusivo.

4.3 Reajustes por Faixa Etária Desproporcionais

Em contratos novos (pós-2004), além das regras já mencionadas da RN 63/2003, é importante observar se os percentuais de aumento entre as faixas etárias são razoáveis e graduais. Aumentos bruscos, especialmente nas últimas faixas, podem caracterizar abusividade.

4.4 Aplicação de Múltiplos Reajustes no Mesmo Ano

A aplicação simultânea de reajustes por sinistralidade, faixa etária e anual pode caracterizar abusividade, especialmente se resultar em um aumento total desproporcional.

4.5 Reajustes em Planos Coletivos com Características de Plano Individual

Existe uma prática no mercado conhecida como “falso coletivo”, onde planos são vendidos como coletivos (por adesão ou empresariais) para pequenos grupos, mas na prática funcionam como planos individuais. Nestes casos, a aplicação de reajustes superiores aos definidos pela ANS para planos individuais pode ser questionada.

Para identificar essas abusividades, é recomendável que o beneficiário:

  1. Mantenha um histórico dos reajustes aplicados ao seu plano.
  2. Compare os percentuais de reajuste aplicados ao seu plano com os índices divulgados pela ANS e os praticados no mercado.
  3. Analise a frequência e a combinação dos reajustes aplicados.
  4. Solicite à operadora a memória de cálculo e a justificativa técnica para os reajustes aplicados.

5. Jurisprudência e Proteção Legal

Os tribunais brasileiros têm se posicionado frequentemente a favor dos consumidores em casos de reajustes abusivos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu importantes precedentes que servem como diretrizes para a análise desses casos:

5.1 Tema 952/STJ

Este tema trata especificamente dos reajustes por faixa etária em planos individuais ou familiares. O STJ estabeleceu que:

“O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”

Esta decisão estabelece critérios claros para a validade dos reajustes por faixa etária, exigindo não apenas a previsão contratual e o respeito às normas regulatórias, mas também a razoabilidade dos percentuais aplicados.

5.2 Tema 1016/STJ

Este tema estendeu a aplicação dos critérios estabelecidos no Tema 952 aos planos coletivos. O STJ decidiu que:

“Aplicam-se as teses firmadas no Tema 952/STJ aos planos coletivos, ressalvando-se, quanto às entidades de autogestão, a inaplicabilidade do CDC.”

Esta decisão é particularmente importante porque amplia a proteção aos beneficiários de planos coletivos, que historicamente tinham menos garantias contra reajustes abusivos.

5.3 Outras Decisões Relevantes

Além desses temas, outras decisões judiciais têm reforçado a proteção aos consumidores:

  • Reconhecimento da abusividade de reajustes em “falsos coletivos”.
  • Limitação de reajustes por sinistralidade em planos coletivos quando não há transparência na aplicação ou quando os percentuais são excessivos.
  • Declaração de nulidade de cláusulas que preveem reajustes por mudança de faixa etária após os 60 anos.

6. Prescrição e Direito de Reaver Valores Pagos a Mais

Um aspecto importante a ser considerado quando se trata de reajustes abusivos é a questão da prescrição. O prazo prescricional para questionar judicialmente os reajustes e pleitear a devolução de valores pagos a mais é de 10 anos, conforme entendimento consolidado pelo STJ.

Este prazo decenal se aplica tanto para planos individuais quanto para coletivos, e começa a contar a partir de cada pagamento considerado abusivo. Isso significa que o beneficiário pode questionar reajustes aplicados nos últimos 10 anos e, se comprovada a abusividade, ter direito à devolução dos valores pagos a mais neste período.

É importante ressaltar que, em casos de ações judiciais bem-sucedidas, a devolução geralmente é determinada de forma simples (sem dobra), a menos que se comprove má-fé da operadora.

7. Medidas Práticas para se Proteger contra Reajustes Abusivos

Diante do cenário apresentado, é fundamental que os beneficiários de planos de saúde adotem medidas proativas para se proteger contra reajustes abusivos:

  1. Mantenha-se informado: Acompanhe os índices de reajuste divulgados pela ANS e as notícias sobre o setor de saúde suplementar.
  2. Documente tudo: Guarde todos os boletos, comunicados da operadora e qualquer documento relacionado ao seu plano de saúde.
  3. Questione: Ao receber um comunicado de reajuste, solicite à operadora a justificativa detalhada e a memória de cálculo.
  4. Compare: Verifique se o reajuste aplicado ao seu plano está em linha com os praticados no mercado para contratos similares.
  5. Busque orientação especializada: Em caso de suspeita de abusividade, consulte um advogado especializado em direito do consumidor ou direito à saúde.
  6. Aja rapidamente: Não espere que a situação se agrave. Quanto mais cedo você questionar um reajuste potencialmente abusivo, menores serão os prejuízos acumulados.

8. Conclusão

Os reajustes em planos de saúde são uma realidade necessária para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e garantir a continuidade da prestação dos serviços. No entanto, é fundamental que esses reajustes sejam aplicados de forma transparente, justificada e dentro dos limites legais e contratuais.

A complexidade das regras e a diversidade de situações exigem que os beneficiários estejam sempre atentos e bem informados. A jurisprudência tem se mostrado favorável aos consumidores em muitos casos, mas é essencial agir com rapidez e de forma fundamentada ao identificar possíveis abusividades.

Por fim, é importante ressaltar que a busca por um sistema de saúde suplementar justo e equilibrado é uma responsabilidade compartilhada entre operadoras, beneficiários e órgãos reguladores. Somente com transparência, diálogo e respeito mútuo será possível construir um cenário onde o acesso à saúde de qualidade seja garantido sem onerar excessivamente nenhuma das partes envolvidas.

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