Entenda o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: Seu Direito à Informação e Escolha no Tratamento Médico

No cenário atual da saúde, onde procedimentos médicos se tornam cada vez mais complexos e especializados, é fundamental que os pacientes estejam cientes de seus direitos e das informações cruciais sobre seus tratamentos. Neste contexto, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) emerge como um instrumento essencial, garantindo a autonomia do paciente e a transparência na relação médico-paciente.

A Evolução da Relação Médico-Paciente

Historicamente, a Medicina Científica Ocidental, desde seus primórdios na Grécia antiga até meados do século XX, era exercida sob a ética das virtudes preconizadas pela escola hipocrática. Esta abordagem se pautava na velha tradição do paternalismo clínico, onde o paciente não decidia nada, apenas obedecia ao médico, com a convicção de que este, como autoridade, buscava o bem do paciente segundo seu critério técnico.

No entanto, dois aspectos históricos tornaram-se intensamente relevantes ao longo do século XX, determinando o fim da relação médico-paciente paternalista:

  1. O avanço inusitado da cultura dos direitos humanos.
  2. O vertiginoso desenvolvimento tecnológico da medicina clínica.

A medicina, que até então era contemplativa, pouco útil e relativamente inócua, tornou-se intervencionista e resolutiva, mas também potencialmente perigosa. Surgiram, assim, as sequelas das iatrogênias, que são hoje objeto de grandes preocupações dentro e fora da profissão médica.

O TCLE e sua Importância

O TCLE é mais do que um simples documento; é a materialização do respeito à dignidade e à liberdade de escolha do paciente. Trata-se de um processo no qual um profissional de saúde instrui o paciente sobre os riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento ou intervenção. O paciente, por sua vez, deve ser capaz para tomar uma decisão consciente e voluntária sobre a realização de tal procedimento.

O Código de Ética Médica (RESOLUÇÃO CFM Nº 2217 DE 27/09/2018) reforça essa importância em seu Art. 24, que veda ao médico “Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.”

Em mesmo sentido, a Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, garante em seu art. 4º, inciso V, o direito ao “o consentimento livre, voluntário e esclarecido a quaisquer procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos, salvo nos casos que acarretem risco à saúde pública, considerando que o consentimento anteriormente dado poderá ser revogado a qualquer instante, por decisão livre e esclarecida, sem que sejam imputadas à pessoa sanções morais, financeiras ou legais”.

Esta disposição legal reforça não apenas a importância do TCLE, mas também o direito do paciente de revogar seu consentimento a qualquer momento, sem sofrer qualquer tipo de penalidade.

Natureza Jurídica e Requisitos do TCLE

A natureza jurídica do consentimento informado é de um ato jurídico voluntário unilateral, baseado no direito à autodeterminação do paciente e no direito de dispor sobre seu próprio corpo. O artigo 15 do Código Civil Brasileiro reforça esse direito ao estabelecer que “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Para que o TCLE seja válido juridicamente, ele deve atender a certos requisitos, conforme o artigo 104 do Código Civil, quais sejam:

  1. Agente capaz (vontade livre e consciente)
  2. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável (deve objetivar salvaguardar a vida e a saúde do paciente);
  3. Forma prescrita ou não defesa em lei (forma escrita);

Elementos do Consentimento Informado

A The Joint Commission exige a documentação com todos os elementos do consentimento informado, que incluem:

  1. Natureza do procedimento;
  2. Riscos e benefícios do procedimento;
  3. Alternativas razoáveis;
  4. Riscos e benefícios das alternativas;
  5. Avaliação do entendimento do paciente dos elementos 1 a 4;

Tomada de Decisão Compartilhada

A Tomada de Decisão Compartilhada (TDC) é um processo colaborativo entre paciente e o profissional de saúde, que ganhou destaque a partir dos anos 1980. Neste modelo:

  1. Paciente e profissional deliberam juntos sobre as opções de cuidado.
  2. Utilizam-se as melhores evidências científicas disponíveis.
  3. Consideram-se as necessidades, vontades e preferências do paciente.
  4. Discutem-se riscos e benefícios de todas as opções, incluindo a não-ação.

A TDC é especialmente relevante em decisões de “preferências sensíveis”, onde não há uma única opção claramente superior. Reconhecida internacionalmente, a TDC foi adotada em diversos países desenvolvidos.

Padrão de Informação e Exceções

No Brasil, adota-se o padrão de informação da “pessoa razoável”, ou “homem médio”, que se fundamenta nas informações que uma pessoa mediana necessitaria saber sobre determinadas condições de saúde e propostas terapêuticas ou preventivas.

É importante ressaltar que existem exceções à exigência do TCLE, como em situações de emergência com risco de vida, quando o paciente está incapacitado, ou em casos de consentimento de isenção voluntária.

Consentimento Informado em Casos Especiais

No caso de crianças, que não têm capacidade de fornecer consentimento informado, os pais devem dar “permissão informada”. Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito da criança e do adolescente de se expressarem e oferecerem sua opinião sobre questões que lhes digam respeito.

O Consentimento Informado e seus Limites Legais e Éticos

O consentimento informado é um direito fundamental do paciente, baseado no princípio da autonomia. Entretanto, existem situações em que este direito pode ser limitado, especialmente em casos de iminente perigo de vida. O Código Civil e o Código Penal brasileiros preveem exceções onde o médico pode intervir mesmo sem o consentimento do paciente, baseando-se no princípio da beneficência e no entendimento de que a vida é um bem jurídico coletivo que se sobrepõe ao interesse individual.

Casos complexos, como os envolvendo Testemunhas de Jeová ou grevistas de fome, exemplificam os dilemas éticos e legais enfrentados pelos profissionais de saúde neste contexto. Nestas situações, o médico deve buscar um equilíbrio entre o respeito à autonomia do paciente e a preservação da vida, sempre considerando alternativas de tratamento que não comprometam os princípios religiosos ou ideológicos do paciente.

É importante notar que, para o direito penal, o consentimento do paciente é irrelevante quando se trata de iminente perigo de vida, conforme o art. 146, § 3º, inc. I do Código Penal. Assim, o médico que segue os princípios do consentimento, a lex artis, esgotando todos os meios que a medicina dispõe, não poderá ser incriminado por uma conduta que teve como fim maior evitar que se desvaneça o bem jurídico de maior tutela da sociedade – a vida humana.

Conclusão

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a Tomada de Decisão Compartilhada (TDC) são pilares fundamentais na proteção dos direitos do paciente e na promoção de cuidados de saúde de qualidade. Compreender esses conceitos é essencial para garantir sua autonomia e participação ativa no processo de tratamento, especialmente ao navegar pelo complexo sistema de saúde, seja público ou privado.

Diante de dúvidas sobre seus direitos, procedimentos complexos ou situações em que você sente que seus direitos não foram respeitados, buscar orientação especializada pode ser crucial. Um advogado com experiência em Direito Médico e da Saúde pode oferecer o suporte necessário para assegurar que seus direitos sejam preservados e que você receba o cuidado médico adequado.

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